Nos últimos dias, o Brasil descobriu que não basta o álcool já ser uma droga mortal por si só — agora ainda temos uma versão turbinada com metanol. Gente ficando cega, morrendo, enchendo hospitais. Tragédia anunciada, mas tratada como acidente de percurso.
Curioso como a comoção é seletiva. A mesma sociedade que bate palma para tentativa de execução de gente por SUPOSTAMENTE estar com um baseado no bolso é a que entorna litros e litros de uma das substâncias mais destrutivas que existem. E faz isso com orgulho, na mesa do almoço de família, com direito a brinde.
Os números são implacáveis, mas ninguém gosta de falar deles: são milhões de mortes anuais no mundo atribuídas ao álcool. Aqui no Brasil, mais da metade dos acidentes de trânsito fatais têm ele como protagonista. Sem contar o papel óbvio na violência doméstica e nas doenças que abarrotam hospitais. Mas vá falar em proibir a cervejinha do fim de semana pra ver o escândalo…
A hipocrisia é tamanha que vale descrever a cena: no Distrito Federal, em qualquer cidade do entorno, sempre tem ao menos uma distribuidora de bebidas e uma igreja evangélica por perto. Aqui do lado de casa, num cruzamento, três das quatro esquinas são de distribuidora. Andando mais um pouco, três igrejas enfileiradas. É o retrato do Brasil: álcool como religião oficial, e igreja pra abençoar o fígado.
E a política? Nunca houve discussão honesta sobre drogas no país. Nunca. O que temos é um bando de carreiristas que vive de surfar em polêmica e levantar bandeira moralista. Contra o álcool ninguém mexe — lobby é grande demais. Contra drogas historicamente estigmatizadas, aí sim, discurso inflamado, dedo em riste e promessa de “lei mais dura”. É mais fácil bater em cachorro morto.
Enquanto isso, seguimos contando corpos e fingindo que a culpa é do azar ou da garrafa falsificada da esquina. O problema não é o metanol. O problema é o Brasil beber a hipocrisia até a última dose.